Livros de ciência para crianças ainda carecem de divulgação


Não é de hoje que o mercado editorial brasileiro oferece títulos sobre ciência e tecnologia especialmente dedicados ao público infantil. Segundo dados da Agência Educa Brasil, a popularização dos chamados livros paradidáticos nas escolas iniciou-se no fim da década de 1990, com o estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) pelo Ministério da Educação (MEC), além da descentralização de recursos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e a decisão independente de Estados como São Paulo em investir nesse tipo de publicação. O retorno editorial, porém, ainda é desanimador. "Todos que tiveram acesso aos livros gostaram e acharam interessantes. O problema é a dificuldade para divulgar", afirma Teresa Florenzano, mestre em ciências e pesquisadora do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autora de A Nave Espacial Noé, releitura futurista da história bíblica.
A categoria abarca publicações cujos valores e conteúdo informativo são ensinados principalmente por meio de aspectos lúdicos, com a distribuição de informações científicas ao longo de uma narrativa ficcional, ou como as coloridas naves espaciais que chamaram a atenção de Matheus Roth, 7 anos. Morador de São Leopoldo (RS), o pequeno já é um leitor dos mais assíduos. Quando perguntado sobre qual o livro preferido de sua coleção, porém, a resposta não é fácil. "Eu não sei, porque tenho uns 50, 59 livros", responde.
Matheus começou a formar sua biblioteca quando ainda estava na pré-escola, por volta dos 5 anos. A partir de então, além do gosto pela leitura, desenvolveu grande interesse por assuntos como ciência e tecnologia, tema de vários itens de sua coleção. "Quando ainda estava na alfabetização, ele encontrou um livro sobre viagens espaciais, com figuras de foguetes, e se apaixonou. Hoje, aqui em casa, existem mais livros dedicados à faixa etária dele do que à minha e do meu marido", conta a artista plástica Suellen Roth, de 28 anos, mãe de Matheus.
Leitura complementar 
Embora eles sejam complementares e não substitutos do material didático escolar, as características dos livros paradidáticos sobre ciência e tecnologia os qualificam como leituras que também podem ser aproveitadas pelas crianças sem a orientação de professores.
A pouca idade não impede que os pequenos efetivamente aprendam com o conteúdo abordado pelos livros. "Não acho que seja uma leitura superficial. Parece que, nessa idade, eles absorvem muito mais informação", comenta Suellen Roth. A etapa de desenvolvimento de crianças da idade de Matheus é um dos fatores que promove a procura e a retenção de conhecimentos científicos. "Principalmente na fase que vai dos 6 aos 12 anos, a criança tem uma curiosidade muito grande pelo mundo, e já consegue buscar respostas sozinha", explica Andréa Patapoff, mestre em Psicologia da Educação pela Universidade Federal de Campinas (Unicamp). O gosto e aptidão para a ciência varia entre as crianças, mas a psicóloga explica que os livros paradidáticos servem para despertar a curiosidade e preparar o cérebro para o processamento de conhecimentos mais intrincados.
A validade do conteúdo também tem procedência assegurada: nesse tipo de livro, as informações precisas e complexas do meio científico são condensadas em linguagem acessível e histórias atraentes por profissionais do próprio ramo. É o caso da série Decifrando.a.terra.br, da editora paulista Oficina de Textos. Os 11 títulos que atualmente formam a coleção são de autoria de cientistas, mestres e doutores em diversas áreas da ciência, como astronomia, biologia e história natural. "A série é baseada em um tripé: iniciação científica e conscientização ambiental por meio de materiais paradidáticos", explica a diretora Shoshana Signer. A proposta da coleção é estimular as crianças para que elas possam compreender melhor o mundo e a importância de fazer a sua parte para preservá-lo.
Entre os livros integrantes da série está A Nave Espacial Noé, releitura futurista da história bíblica escrita por Teresa Florenzano, mestre em ciências e pesquisadora do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) de São José dos Campos (SP). A iniciativa partiu da própria Oficina de Textos, que encomendou a Teresa um livro sobre sensoriamento remoto para crianças no final de 2003. "De cara aceitei o desafio, mas logo depois, quase desisti. É muito difícil escrever para uma criança", comenta a autora.
Foi o convívio com os sobrinhos e a leitura de livros infanto-juvenis durante as férias de verão que fizeram as ideias surgirem: no lugar de um grande dilúvio, a Terra é atingida por um incêndio provocado pelo homem; em vez da arca, os seres vivos são resgatados por uma nave espacial; e o monitoramento via satélite substitui a pomba que simboliza o fim do desastre.
Lucro com livros paradidáticos é "desanimador" 
Para Shoshana Signer, a proposta do projeto Decifrando.a.terra.br é de caráter utópico, pois, praticamente, não há interesse expressivo pelo assunto.
Em 2010, a venda de 10 títulos da coleção somou R$ 2.254,00; no ano passado, o lucro caiu para R$ 1.511,00. Os índices mais significativos, segundo Shoshana, correspondem às vendas para a Secretaria da Educação de São Paulo e escolas do Estado, o que leva a crer que livros como os da série não costumam chamar a atenção dos pais das crianças. "Em livrarias, que é onde mais se pode detectar o interesse dos pais, é muito difícil vender", explica a diretora, que entende que a iniciação científica das crianças atualmente é trabalhada, em sua maior parte, pelo colégio.
Entretanto, uma vez habituados à leitura dos livros, o conteúdo exposto em sala de aula nem sempre parece suficiente aos pequenos. "O Matheus constantemente fala que aprende muito mais coisas nos livros em casa do que nas aulas", conta Suellen Roth. À parte de problemas estruturais da educação no Brasil, a psicóloga Andréa Patapoff observa que a instrução científica pode ser prejudicada pelo currículo fechado das escolas - razão pela qual disciplinas como ciências, química e física se tornam pouco interessantes e desprazerosas. Como a ciência é fundamentalmente um ramo impulsionado pelo questionamento, há ainda problemas de metodologia de ensino dessas matérias. "Muitas vezes, a escola forma pessoas que dão as respostas certas, mas não fazem boas perguntas, porque isso não foi adequadamente trabalhado", explica Andréa.
Essas faltas estratégicas do sistema de ensino tradicional brasileiro podem dar pistas para o desinteresse de muitos pais sobre o assunto. "Ciência e tecnologia não são assuntos muito valorizados no Brasil, e os pais não podem repassar valores que eles próprios não têm aos filhos", comenta Shoshana Signer. Nesse cenário, os livros paradidáticos podem colaborar com a motivação das crianças em direção ao meio científico. "Não só no Brasil, existe uma carência de novos cientistas. Ao mostrar a importância da ciência e tecnologia, esse tipo de literatura pode atrair crianças e jovens para a carreira científica", afirma a autora Teresa Florenzano.
Fonte: JB on line

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